
Matilda, como tantos outros, era apenas uma estagiária procurando conquistar o seu espaço. Sempre decidida e esforçada, se preparou muito para ser "alguém" na vida, sempre tirou boas notas na escola, fez curso técnico, está na faculdade, começou a trabalhar na área já nos primeiros semestres. Apesar de receber uma ajuda dos pais, sempre procurou ajudar no que podia, seja em casa ou com a mensalidade da faculdade. Depois de passar por dois estágios em que era apenas "mão-de-obra barata", conseguiu uma vaga em uma empresa que aparentemente tinha um programa de estágio de verdade, que desenvolvia e absorvia seus estagiários para o quadro de funcionários.
Após alguns meses no novo emprego, Matilda começou a perceber que as coisas não eram bem como lhe falaram. Era uma empresa familiar, onde o principal requisito para ser promovido, ou mesmo receber um aumento, é ser parente ou amigo próximo dos donos. Um ambiente onde quem não está no circulo íntimo de amizades dos donos e diretores é tratado como lixo, literalmente. Após um ano de estágio, e nada de se falar em efetivação, Matilda se viu assumindo funções de Bartolomeu e Rosana, que já estavam a 10 anos na empresa quando foram demitidos, Bartolomeu foi dispensado por ficar doente, de cama, e faltar UM dia do trabalho, já Rosana foi considerada incompetente por se negar a mudar de setor, ela passaria a fazer café e tirar cópias de documentos o dia inteiro. Com o tempo, pessoas pedindo as contas passou a ser algo comum, e Matilda simplesmente foi acumulando funções de outras pessoas.
Apesar de tudo, Matilda sempre se esforçou para dar conta de tanto trabalho, mesmo com o histerismo de Jorge, seu diretor. Jorge é o tipo de pessoa que quer tudo pra ontem, adora se gabar, dizer que é o bom, não consegue fazer nada sozinho, mas tem uma garganta muito boa(seus berros são bem potentes).
Se você acha isso atormentante, saiba que o tormento de Matilda estava apenas começando. Em uma bela manhã de sexta, Jorge decidiu que iria assistir o carnaval do Rio de Janeiro, e para isso, mandou que Matilda conseguisse lugares no camarote vip do sambódromo para ele e sua mulher. Após uma manhã inteira de ligações, e-mails, faxes, e nada de conseguir o tal camarote vip para Jorge, Matilda decidiu trabalhar de verdade, e fazer o faturamento de uma conta que já estava atrasado. Esse faturamento era algo em torno de 400 mil reais para a empresa, afinal, é pra isso que era paga e não para resolver coisas pessoas de Jorge.
Jorge, inconformado por Matilda deixar um assunto tão importante de lado, passou a se certificar pessoalmente de que Matilda sempre desse o seu "melhor". E procurou fazer isso no seu melhor estilo, humilhando-a em cada oportunidade que tinha. Para Jorge, Matilda não era capaz de fazer uma ligação direito, não conseguia preparar documentos direito, tudo estava mal-feito, errado e atrasado. Matilda passou a ter ainda mais trabalho a fazer, e como nem sempre dava conta, passou a ser considerada mais incompetente a cada dia, e Jorge usava cada uma destas chances.
Em certa ocasião, já no limite, Matilda estava decidida a sair daquele inferno. Depois de literalmente explodir e gritar e xingar meio mundo, seu gerente, Fábio, a convenceu a tirar a tarde de folga, descansar e pensar melhor. A noite, Fábio ligou para Matilda novamente e a convenceu a continuar na empresa, porque logo iriam resolver a situação dela.
Realmente, a situação foi resolvida três semanas depois, após 3 meses de humilhações acabou o contrato de estágio de Matilda com a empresa. Adivinhe o que aconteceu? Matilda foi dispensada, e adivinha o que mais pesou? Foi justamente Matilda ter deixado de lado o tal camarote vip de Jorge, para TRABALHAR e faturar para a empresa.
Agora, enquanto Jorge vai gastar míseros 200 reais a mais do que planejava para aproveitar o seu camarote vip no carnaval, Matilda tem que procurar emprego em meio a maior crise dos últimos tempos. A bolsa-estágio ajudava, e bastante a pagar a mensalidade da faculdade, e mesmo com todas estas humilhações, Matilda sempre aguentou firme, pois estava em busca de um futuro melhor.
É nessas horas que percebo que o ser-humano sabe ser uma criatura egoísta, mesquinha e baixa. Humilhar uma pessoa durante meses até o seu limite, depois convencê-la a não pedir demissão, só para poder demiti-la e "sair por cima" é o fim. E só para constar, esta historinha é muito mais real do que muita gente pode imaginar, mas tenho certeza que Matilda vai tirar de letra, afinal ela já passou por situações bem piores que essa e sempre que a coisa apertou, me deixou muito orgulhoso.